Quem eu sou

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Para tudo! Vamos começar de novo. Aqui seria um espaço para troca de livros, mas acabou tornando-se um local de desabafos. Meus desabafos... Porque minha amiga Luciana abandonou o barco por causa de outros projetos e nunca mais postou nada. Então ela me pediu que reformulasse o blog e eu, Anoushe, sigo daqui com vocês que gostam de acompanhar um pouco do que fervilha em minha cabeça. A finalidade continua sendo trocar ideias, portanto, preciso mais da ajuda de vocês. Quem quiser dar sugestões para futuros textos, mande um e-mail. Podem também enviar textos sobre um livro que leram, uma música que os emocionou, peça de teatro, filme, enfim... Haverá um espaço reservado para suas impressões, tornando esse blog mais participativo e realizando uma efetiva troca de ideias. Conto com vocês, como sempre, para dar seguimento a isso que considero vital: trocar ideias, apreciar a arte, observar e conhecer pessoas e escrever... escrever... escrever...! "Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..." - Clarice Lispector

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Paladar Seletivo

Sentir o gosto do teu toque
Lento, rápido...
Às vezes certeiro, outras, indeciso


Sentir o gosto do teu beijo
Que gela e queima
Às vezes suave, delicado
Outras, fulminante

Sentir o gosto do teu calor
Que arrepia, excita
Às vezes acolhedor
Outras, lancinante

Se é saboroso gostar... Por que não?

Sentir o gosto da tua pele
Salgada, doce
Às vezes macia
Outras, erosiva

Sentir o gosto da tua voz
Que massageia a alma
Às vezes tão meiga, um pouco insegura
Outras, tão certa de si

Sentir o gosto do teu abraço 
Apertado... descompassado 
Às vezes de amante
Outras, de irmão

Se é saboroso gostar... Por que não?

Como é bom sentir o gosto da primeira mordida
De ontem, de hoje
De cada dia
Sentir o gosto do desencontro, se logo vem o encontro
E a saudade é exaurida


Saborear cada pedacinho de vida...
Recheio, cobertura e granulado
Cada momento gostoso, cada garfada de prazer
Cada momento com o outro e cada momento com você

Como é gostoso viver...
Por que não saborear a vida?

(Anoushe/2003)

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Livro, um grande amigo!



No dia 29 de outubro de 1810, a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil, quando então foi fundada a Biblioteca Nacional. Por isso, escolheram essa data para comemorar o Dia Nacional do Livro. Quando penso na importância do livro, logo me vem à mente uma frase de Monteiro Lobato: “Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar”.

Eu faço essa associação porque onde habita uma criança só pode ser um lindo lugar, embora não seja necessário ser criança para conseguir ter essa experiência com novos lares por meio da leitura. Acho até que nós, adultos, encaramos a leitura com mais inovação por estarmos mais distantes da infância e da capacidade de imaginar. Nós, adultos, é que mais precisamos resgatar mundos diferentes do nosso, porque as crianças, além dos livros, têm muito mais facilidade em criá-los.

Com a leitura, a gente visita lugares sem estar lá e cria outros milhares de cantos para ser a nossa morada. Já fui à Índia, à África, à Austrália, viajei pela América e Japão... Também já fui princesa, bruxa, maga, guerreira, freira, prostituta, escrava, enfim. Basta abrir um livro para ter acesso a um universo de distintas possibilidades...

Além de nos transportar a outros mundos, um livro faz a gente aprender com os tropeços alheios sem precisar vivê-los. Depois da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, a gente pensa bem antes de seguir pelo caminho não recomendado; não aceita “maçãs” de estranhos a exemplo da Branca de Neve e aprende que mentiras podem nos trazer problemas bem grandes, quem sabe até piores do que ser engolido por uma baleia, como Pinóquio.

Livro é também nosso professor, desde as lições mais simples até as mais complexas. E um grande companheiro e amigo para todas as horas e todos os cantos: avião, praia, cama, banheiro, piscina, sofá, sombra de uma árvore, sozinho ou acompanhado...

O livro pode ser também nosso psicólogo. Nos momentos em que o coração parece explodir e o peito se enche de angústia, nada como ele para acalmar a mente. E, se o coração está tranquilo, vale o inverso, buscamos nele experiências instigantes, que nos movam e nos acelerem. Até travesseiro ele pode ser, afinal, quem nunca adormeceu em cima de um livro...


O mundo precisa mais desse amigo para todas as horas e, quanto mais cedo ele se tornar parte da vida do indivíduo, certamente, mais vezes irá visitá-lo na fase adulta e na velhice. Por isso, difunda essa amizade: compre um livro, dê um de presente, leia outro para uma criança! Como disse a poetisa e contista Cora Coralina:“Se a gente cresce com os golpes duros da vida, também podemos crescer com os toques suaves na alma”. Um amigo sempre acaricia a alma, por isso, a leitura torna-se uma bela maneira de nos fazer crescer cada vez melhores.
 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Dia do Livro!




Viajo no fundo do mar
e uma estrela vem me visitar...

Enfrento piratas
beijo princesas
corro o mundo...

Aprendo com tragédias
sem precisar vivê-las

Busco aventuras,
tenho a vida que quiser

Encontrar esse mundo
só em um lugar...
Basta folhear...

Dia do Livro,
que sejam todos os dias!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Será que Vinícius sabia dançar?


Imagine uma chorona encontrando-se com um poetinha... Comecei a imaginar essa loucura porque no dia 17 de outubro, uma grande colecionadora de primeiras ações – primeira pianista de choro, autora da primeira marcha carnavalesca (“Ô abre alas”), primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil –, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, faria 166 anos. E no dia, 19 de outubro, se estivesse vivo, o diplomata, dramaturgo, jornalista, compositor e, é claro, poeta Vinícius de Moraes faria 100 anos.

Ambos nasceram no Rio de Janeiro, ambos tinham uma relação especial com o carnaval. Ambos foram artistas brilhantes e levaram a vida de uma maneira intensa: sem amarras, sem convenções, lapidando seus talentos, sem medo de amar enquanto houvesse chama... Se fossem contemporâneos, será que se esbarrariam?

Chiquinha Gonzaga, desde cedo, frequentava rodas de lundu, umbigada e outros ritmos oriundos da África, nesses locais buscava sua identificação musical com os ritmos populares que vinham das rodas dos escravos. Vinícius de Moraes frequentava a boemia carioca, era um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. Acho que dessa abundância de vida vinha a inspiração para seus lindos sonetos. Vida com tudo que pertence a ela, inclusive a apreciação pelas mulheres. Ele se casou nove vezes; Chiquinha Gonzaga, três. Mas, convenhamos, por se tratar de uma mulher que vivia no século XIX, essas três vezes corresponderiam seguramente às nove de Vinícius.
Caso fossem contemporâneos, será que ele se apaixonaria pelo talento de Chiquinha? Seriam parceiros? Ela no piano, ele na poesia? Será que trocariam choros em melodias, em lágrimas e em versos?

Eles brilharam também no teatro. Ela, em 1911, estreou seu maior sucesso no teatro: a opereta Forrobodó, que chegou a 1500 apresentações seguidas após a estreia - até hoje o maior desempenho de uma peça desse gênero no Brasil. Em 1954, ele escreveu a peça Orfeu da Conceição, feita em versos, baseada no mito grego de Orfeu, mas ambientada no morro carioca e representada por negros.

Ambos também polemizaram a sociedade de sua época. Chiquinha era convidada para saraus no Palácio do Catete, a então morada presidencial, e, em um recital de lançamento do Corta Jaca, a própria primeira-dama do país, Nair de Tefé, a acompanhou no violão, e empunhou o instrumento, tocando um maxixe composto pela maestrina. Isso foi considerado um escândalo para a época. Vinícius, por sua vez, foi enquadrado como subversivo e expulso do Itamarati, por ordem do então presidente Arthur da Costa e Silva.

De tudo em comum o mais forte é mesmo o talento descomunal e o prazer indescritível pela vida, pela arte, pelas festas... Ambos exalavam desejo em compor, em estar rodeados de amigos, em buscar felicidade ainda que quebrando regras e convenções. Ambos viveram no tempo de Vínicius, o “quando”, não importando a época, somente viver.
Acho que iniciei essa viagem porque o que eu gostaria mesmo é de ter sido contemporânea dos dois, para vê-los atuando ao mesmo tempo. No meu devaneio, ele, amante das mulheres, das nádegas e das saboneteiras femininas, recitaria para ela um trecho de seus sonetos: “...E a coisa mais divina/Que há no mundo/É viver cada segundo/Como nunca mais...”. Ela reconheceria esses versos como uma filosofia de vida e talvez o fizesse enlouquecer e se perder ao som sedutor de algum maxixe: “Pança com pança/Bate com jeito/Entra na dança/Quebra direito/Quebra direito...”. E ai, quem sabe, ele a chamaria para dançar. Vinícius tinha muitos talentos, mas será que sabia dançar?

Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
Meu tempo é quando.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A pintura da vida


Tenho na varanda um quadro vivo
cheio de surpresas...
Agora mesmo, pintou um beija-flor!


No quadro vivo, 
pintou um balé de folhas
descem suaves, levadas pelo vento...

Essa pintura não congela o tempo,
ele passa, leviano, como deve ser...

E, de repente, pintou uma criança... 
E de repente, pintam rugas, 
 o balé se acaba e pintam flores... 
E nasce um abacate!

E de repente, pinta uma nova criança
e o tempo, leviano, continua renovando a pintura
como deve ser...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Há um moleque morando no meu coração


Não conheço um ser mais genuíno e feliz que uma criança. Talvez alguns animais... Parece que elas já nascem com um compartimento no tamanho exato para caber tudo de bom: amor, sinceridade, pureza, alegria... Fico pensando quando é que os adultos se perdem e se tornam seres tão terríveis a ponto de ensejar a dúvida sobre se algum dia foram crianças. Embora haja muita gente boa no mundo, infelizmente a todo tempo vemos atrocidades causadas por pessoas que de fato parecem nunca terem sido crianças.

Todos os sentidos são especiais, a começar pelo sorriso. Não foi à toa que Victor Hugo disse: "Nunca ninguém conseguirá ir ao fundo de um riso de criança". Não existe fim. O sorriso de uma criança é algo tão avassalador que espanta tristeza, alivia agonia, recupera a paz. O encontro com um desses te faz ganhar o dia! Como não se render, como não desejá-lo, como não provocá-lo?

E ser carinhoso? É impressionante como as crianças são verdadeiramente carinhosas. Dificilmente você se depara com um beijo de lado ou com um abraço frouxo. Pode até não receber nada, ação totalmente coerente, já que ninguém é obrigado a querer te beijar ou abraçar, mas quando você recebe, o carinho vem para valer. Apertado e molhado!

E a ingenuidade, a pureza? É uma qualidade tão arraigada que nós adultos, já dela esquecidos há muito, demoramos a reconhecê-la. Parece que, neste mundo, não há espaço para ingenuidade... A ingenuidade é o excesso de credulidade! De fato, não cabe a crença excessiva em quase nada da atualidade, caso contrário você é devorado, mas as crianças creem. Então, a medida das palavras deve ser ainda mais ponderada, pois se você diz eu vou, ela te espera, se você diz eu dou, ela tem como certo receber, se você diz acabou, ela só enxerga o fim como resposta. Se pensarmos bem, isso deveria ser o correto, dizer e agir em coerência com o que se diz... Quantas vezes fazemos isso?

O mundo está tão louco que os valores se inverteram. Se somos ingênuos, é sinal de que a vida vai nos devorar; se somos bons, soa como ser um idiota; se somos doces e carinhosos, o título é meloso demais. A criança é ingênua, boa, doce e carinhosa, ao menos em sua essência, antes de algum fato corrompê-la. É preciso que nós, adultos, aprendamos com as crianças, que resgatemos a criança que um dia fomos para quebrar esse gelo que o mundo nos impõe. Alimentar essas qualidades e fazê-las crescer não vai ocupar o espaço de outras que os adultos precisam ter. É possível ser corajoso e carinhoso, ter personalidade com um pouco de inocência, ter garra e força sem perder o jeito de afagar... É preciso a todo tempo cultivarmos a criança que existe em nós, por uma vida mais leve, mais pura, mais feliz! 

Deixarmo-nos ser puxados pela mão de nossos moleques internos, como diz a linda canção de Milton Nascimento e Fernando Brant: “Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão...”.


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O que é ser raro?


Mamãe o que é ser raro?
Lá vem mais uma dúvida de João
Respondi: você é raro, dúvida sanada!
Ah... mas para toda mãe seu filho é raro!
É... A resposta não satisfez a indagação

Busquei em alguém mais letrado
e Arthur da Távola disse com definição:
"Afinidade é muito raro...
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial."
Bom, afinidade é raro, João!

Só com isso não houve contentamento
busquei Oscar Wilde para mais uma explicação:
"Viver é a coisa mais rara do mundo.
A maioria das pessoas apenas existe."
Viver é raro, João!

Fui para Einstein, tentar solução
foi quando ele disse:
"Amar sem penar é bem raro.
O verbo cumprir custa caro.
Amor é bem fácil achar.
O que acho mais difícil.. É saber amar..."
Saber amar é raro!

Exigente, não?
Não foi suficiente e descobri
François La Rochefoucauld.
Nome pomposo, quem sabe então!
E ele disse:
"Ainda que seja raro o verdadeiro amor,
é no entanto menos raro que a verdadeira amizade".
Raros são os verdadeiros sentimentos de amor e de amizade!

Cheguei então a uma conclusão:
descobrir o que é raro, é raro
haja faro... Mas o pequeno aprendeu a lição!
Ter afinidade, viver e não apenas existir,
saber amar, ter sentimentos verdadeiros é raro!
Seja sempre raro meu filho, seja sempre esse lindo João!


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Olhe para o céu















Ontem assisti a uma palestra do brilhante paraibano Ariano Suassuna. Dramaturgo, romancista e poeta brasileiro, 86 anos de pura sabedoria. Um homem que tem a arte e a defesa da cultura como missão, um menino que potencializa o seu hemisfério poeta e palhaço. Afinal, segundo ele, a alma humana tem dois hemisférios: de um lado o rei/profeta e do outro o poeta/palhaço, lado a lado porque um não é superior ao outro. 
Palavras como essas fizeram meu dia mais feliz, discordei apenas de um ponto, de sua opinião sobre Brasília. Ele disse que Brasília não parece Brasil, que Oscar Niemeyer fez um traçado suíço. "Brasília é pálida, não tem cor". Desculpa, Ariano Suassuna, mas não posso concordar e apresento minha opinião em forma de rima...
Quem é de Brasília vai concordar com minhas humildes palavras e, quem não é, e, mesmo assim concordar, é porque já foi contaminado pela beleza da minha cidade!


Olhe para o céu

Ouvi Suassuna dizer
que os blocos de Brasília
são de empalidecer

Eu vi Suassuna sentir
que o traçado é suíço
Niemeyer não quis colorir

Mestre das palavras
do regionalismo e da brasilidade
com toda humildade
hei de discordar

Branco, cinza é cor
e com todo pudor
Niemeyer não quis ofuscar
o colorido que há no ar

No céu que é de Brasília o cordel
azul, laranja e vermelho
que reflete como espelho

No tablado do cerrado
colorido e contornado
exótico e enfeitado

Árvores verdes e amareladas
nas entrequadras espalhadas
mais colorido não há

Veja Suassuna
Niemeyer não pode ofuscar
o que vem da natureza
toda sua beleza

Blocos pequenos
para apresentar
nosso céu maior que o mar

Brasília é juventude
que acolhe com atitude
quem a ela vem buscar

Preto, branco, pardo
nordeste, sulista, nortista
vem o futuro formar

É cor no céu, é cor na gente
é cor que brota intensamente

é só a maneira de olhar...

segunda-feira, 20 de maio de 2013



Outro dia desses, eu levei meu filho de apenas seis anos ao Clube da Bossa, em Brasília. Durante o show de artistas locais alguém anunciou uma das composições de Vinicius de Moraes. Meu filho prontamente falou – esse eu sei quem é, mãe! Aprendi na aula de literatura. Você também sabe quem ele é? – ele perguntou.
Então eu respondi que Vinícius de Moraes era um poeta e compositor brasileiro e que por coincidência, neste ano, comemoram-se os 100 anos de seu nascimento. Talvez por isso a professora de literatura tenha lembrado o diplomata, dramaturgo, jornalista, além de é claro, poeta e compositor. É o poetinha… Apelido atribuído por Tom Jobim.
Depois que saímos do show, fiquei com aquela pergunta do meu filho martelando em minha cabeça. – Você sabe quem é Vinicius de Moraes, mãe? Não achei que respondi corretamente, afinal, dizer que ele é um poeta e compositor brasileiro é uma versão resumida demais da história de alguém que me acompanha desde os doze anos de idade. Gostaria de conseguir ter lhe explicado melhor quem foi Vinicius de Moraes, especialmente na minha vida.
Nosso encontro foi durante uma das tantas férias que passei na rua Goitacazes, no centro de Belo Horizonte (MG), na casa da também centenária, mas muito viva, Dona Geraldina, minha avó. Minha saudosa tia Nenzinha tinha uma vitrola e uma coleção de vinis de MPB e entres tantos mestres estava o meu favorito, Vinicius. Eu passava as madrugadas colada naquela radiola, lendo a biografia do compositor e ouvindo as músicas cantadas por tantos intérpretes.
Depois lia suas poesias, trocava poemas com os namorados da adolescência e curtia as minhas fossas com os trechos de soneto da separação: De repente do riso fez-se o pranto/Silencioso e branco como a bruma/E das bocas unidas fez-se a espuma/E das mãos espalmadas fez-se o espanto… De repente, não mais que de repente/Fez-se de triste o que se fez amante/E de sozinho o que se fez contente…De repente, não mais que de repente. Um dos tantos sonetos que o notabilizou. Além da música e da literatura, ele também investiu parte do seu talento no cinema e no teatro com peças como Orfeu da Conceição e Cordélia e o Peregrino.
Meu pai, que viveu no Rio, contava histórias de Vinícius nos bares, afinal ele era conhecido como um boêmio inveterado, apreciador do uísque e do cigarro e também com fama de grande amante, tanto que se casou nove vezes. Era um homem intenso e de muitas facetas, até diplomata ele foi. No livro chega de Saudade, Ruy Castro conta que Vinícius de Moraes foi excluído da carreira diplomática por ordem do então presidente Arthur da Costa e Silva.
O poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra, e nos meus momentos intimistas era meu parceiro também, por que não?
Vinícius foi um artista completo e um romântico inveterado, acima de tudo, e acho que, por isso, a melhor resposta que eu poderia dar ao meu filho é que, na verdade, o poetinha foi um dos grandes culpados de eu ser assim, tão crédula no amor, tão apaixonada pela vida …

terça-feira, 14 de maio de 2013

Meu vizinho

Da janela do apartamento
vejo um lindo abacateiro
e nele, bem faceiro
um curioso pica-pau

Voe pica-pau
e observe o meu ninho
se eu te vejo, você me vê
me olhe com carinho


Voe pica-pau
e observe meus passos
do alto do abacateiro
veja tudo que eu faço

Veja pica-pau
mas guarde meus segredos
se desperto ou adormeço
se mereço o seu apreço


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Clara Nunes, um ser de luz


Este mês são lembrados os 30 anos da morte de Clara Nunes. Eu tinha quase nove anos quando ela se foi, aos quarenta, e me lembro vagamente da comoção de seus fãs, principalmente por ter sido uma morte tão repentina e de alguém tão talentosa e jovem. Ela era realmente muito querida por seu público.
Para homenageá-la, vários eventos foram e estão sendo realizados. Em sua terra natal, a cidade mineira de Caetanópolis, foi inaugurado o Memorial Clara Nunes, em frente à creche que leva seu nome. Também estão sendo realizados espetáculos, shows, coletâneas, documentário, reedição de biografia, enfim, inúmeras e merecidas lembranças de quem foi considerada uma das maiores intérpretes do país. Porém, em minha humilde opinião, de todas as homenagens a mais linda é a música "Um ser de Luz".
"Um ser de luz" é muito mais que uma música, é o exorcismo de uma saudade, é a beleza da admiração e do amor externados em versos melódicos. O poeta e letrista Paulo César Pinheiro (viúvo de Clara Nunes) recebeu a proposta dos compositores Mauro Duarte e João Nogueira de criar um samba de adeus para ela, no mesmo ano em que ela faleceu (1983). Li em um trecho do livro "Paulo César Pinheiro - História das minhas canções", que no início ele achou a ideia meio absurda, não tinha cabeça para pensar nisso, mas depois foi convencido por  João Nogueira com o argumento de que exorcizaria seus demônios e ao mesmo tempo calaria a voz dos oportunistas de plantão. "Pensa nisso com mais calma. Sei que  o poeta ainda está sob o efeito da porrada. Mas vai valer é tua alma, companheiro. Ninguém vai se atrever a arriscar um samba depois do teu", disse Nogueira. Convencido, nasceu "Um ser de Luz", em parceria com os dois músicos.
A música e nesse caso o samba, especificamente, tem mesmo poder de dilacerar o coração, tanto para quem ouve como para quem faz. Impossível ouvi-lo e não se emocionar. Impossível ouvi-lo e não fazer a ligação imediata com a beleza da voz de Clara Nunes, que "onde chegava espantava a dor, com a força do seu cantar".
Também é difícil não se emocionar com a beleza dos versos que o letrista construiu para expressar a enorme presença da falta que ela faz. "Mas aconteceu um dia/ Foi quando o Menino Deus chamou/
E ela foi pra cantar/ Para além do luar/ Onde moram as estrelas/ E a gente fica a lembrar/ Vendo o céu clarear/ Na esperança de vê-la, sabiá!/ Sabiá, que falta faz sua alegria/ Meu canto agora é só melancolia/Canta meu sabiá/Voa meu sabiá/Adeus meu sabiá/Até um dia!"
Uma linda homenagem para alguém que fez do canto a sua missão, uma dádiva para quem ouvia, um verdadeiro Sabiá! Até um dia....


"Eu tenho a grande missão de cantar, eu acho que todas as pessoas tem uma missão, a gente está aqui nesse mundo, ninguém está passeando ou passando férias, está todo mundo aqui cumprindo um compromisso já assumido em outras vidas, eu entendo assim." (Clara Nunes)

"João tinha razão. A melodia foi feita e eu criei os versos mais definitivos que pude do acontecimento. Ninguém ousou fazer outro, nunca mais. Porém foi de dilacerar o coração, e eu jamais consegui cantá-lo" (Paulo César Pinheiro, História das minhas canções – Sobre a música "Um ser de luz")

terça-feira, 26 de março de 2013

Para o Joãozinho do "SE"



Hoje eu estava caminhando e ouvindo música, quando escutei “Bambino” de Ernesto Nazareth e José Miguel Wisnik, cantado pela diva Elza Soares. Então veio aquela voz forte entoando: “... E se a brisa soprar/E se ventar a favor/E se o fogo pegar/Quem vai se queimar/De gozo e de dor/E se for pra chorar/E se for ou não for/Vou contigo dançar/E sempre te amar amor/E se o mundo cair/E se o céu despencar/Se rolar vendaval/Temporal carnaval/E se as águas correrem/Pro bem e pro mal ...”

Então, me lembrei do meu bambino, sempre a rechear suas indagações com SE... É mais ou menos assim: – Filho, vamos sair! Mãe, e se o carro quebrar? – Vamos viajar? – E se o dinheiro acabar? Vamos mudar de casa! – E se for ruim por lá? Se você tiver outro filho, vai gostar mais dele do que de mim? E se você demorar? E se a comida acabar? E se o brinquedo quebrar? E se eu me machucar? E se o sol terminar? E se o mar acabar? E se eu não gostar?

Quando Deus nos dá esses serzinhos maravilhosos para guiar não dá junto as respostas, a gente vai aprendendo com eles. Mal sabem os bambinos que a nossa vida também é recheada de SE. Se não der para pagar? Se não der pra ficar, ou pra ir? Se não conseguir continuar? Se não puder te agradar? Se não conseguir lembrar ou esquecer? Se eu não puder estar, participar ou até mesmo se eu não puder sorrir, como será?

Como será? Como será? Sei lá! Mãe não tem todas as respostas... Só de uma coisa eu tenho certeza, Joãozinho do "SE": Pode o brinquedo quebrar, você não gostar, a vida te machucar e até o mundo acabar, mamãe está aqui e pra sempre, sempre, sempre vai te amar!!!!!!

"Bambino"

E se o ferro ferir
E se a dor perfumar
Um pé de manacá
Que eu sei existir
Em algum lugar

E se eu te machucar
Sem querer atingir
E também magoar
O seio mais lindo que há

E se a brisa soprar
E se ventar a favor
E se o fogo pegar
Quem vai se queimar
De gozo e de dor

E se for pra chorar
E se for ou não for
Vou contigo dançar
E sempre te amar amor

E se o mundo cair
E se o céu despencar
Se rolar vendaval
Temporal carnaval
E se as águas correrem
Pro bem e pro mal

Quando o sol ressurgir
Quando o dia raiar
É menino e menina
Bambino, bambina
Pra quem tem que dar
No final do final

E se a noite pedir
E se a chama apagar
E se tudo dormir
O escuro cobrir
Ninguém mais ficar

Se for pra chorar
E uma rosa se abrir
Pirilampo luzir
Brilhar e sumir no ar

Se tudo falir
O mar acabar
E se eu nunca pagar
O quanto pedi
Pra você me dar

E se a sorte sorrir
O infinito deixar
Vou seguindo seguir
E quero teus lábios beijar  

sexta-feira, 15 de março de 2013

Viver pode ser mais simples



Outro dia desses li uma matéria em uma revista sobre um missionário americano que viveu 25 anos na Floresta Amazônica e estudou a fala da tribo Pirahãs. Segundo ele, é o idioma mais enxuto e simples já conhecido. Não há números, nem nomes para as cores e para os Pirahãs só importa o presente, eles não usam os tempos verbais. Também não formam orações subordinadas.

Outra característica curiosa dessa tribo é o fato de seus membros não acreditarem em nada que eles não possam ver, sentir ou que não possa ser provado ou presenciado. Por esse motivo a tribo não acredita em espírito supremo ou divindade criadora, apenas em espíritos menores que às vezes tomam a forma de coisas no ambiente e que a terra e o céu sempre existiram, ninguém os criou. 

A maneira de pensar dos Pirahãs em relação ao começo do mundo e à sua própria origem também explica o porquê de não usarem passado ou futuro: para eles tudo é o mesmo, as coisas sempre são. Ao que tudo indica, o sistema lingüístico dessa tribo acabou determinando o seu modo de vida e o  conteúdo do seu pensamento: simplicidade.

É mesmo uma maneira bastante simples de enxergar as coisas, principalmente se compararmos ao estilo de vida da sociedade atual onde parece que o tempo onde menos se vive é o presente: trabalhamos para ter dinheiro e cuidar da saúde só no futuro, para viajar quem sabe um dia, para ter tempo quando nos aposentarmos.  No hoje, cultivamos os traumas do passado, para quem sabe no futuro nos tornamos pessoas melhores. Quando não são os traumas do passado, alimentamos ansiedades e expectativas em relação ao que poderíamos ser,  ao que poderíamos ter, a quem poderia estar ao nosso lado e nos esquecemos do que somos, temos e de quem realmente está ao nosso lado.

Dizer que as coisas sempre são, como pregam os Pirahãs, me parece sábio e razoável. Não que a gente deva se conformar e não batalhar por melhorias em todos os campos, mas conseguir viver bem no tempo presente, um dia após o outro, talvez ajude a minimizar expectativas e ansiedades e a corrigir os erros do passado para que eles permaneçam onde têm que estar, bem enterrados e superados. É claro que também não dá para deixar de levar em conta toda a complexidade da vida moderna, bem diferente da vida pacata dos Pirahãs, mas guardadas as devidas proporções, talvez eles tenham razão, as coisas são e devemos mesmo é nos preocupar com o presente. Fácil? De jeito nenhum, mas quem disse que viver é fácil?

quarta-feira, 6 de março de 2013

Dona Geraldina


"E a vida continua"... A dona dessa frase a vivência todos os dias, verdadeiramente. Da parte que me cabe como testemunha ocular, são 38 anos. Para ela, a vida continua mesmo se falta dinheiro, se morrem uma filha, o marido e irmãos. A vida continua mesmo que lhe falte força nas pernas, que lhe faltem a visão, a audição, a fala, os companheiros contemporâneos... Mas enquanto não lhe faltar vida, ela continua, sempre grata pelo seu dom. Afinal, diz a sabedoria que a gente dá a dimensão que quer para os nossos problemas.
Para a dona dessa frase, a vida continua sempre cheia de planos e otimismo. Enquanto houver vida, amanhã as coisas podem melhorar, a dor pode passar, a saudade ser aplacada, o tempo agir e curar. Afinal é isso mesmo, não? Quem pode ter controle da felicidade? Se ela vem hoje, melhor abraçá-la, aceitá-la, vivenciá-la intensamente! Cuidar dessa moça (a felicidade) bem direitinho, para que ela possa bater mais vezes à nossa porta.
Porque outros "hojes" virão cheios de mudança: gente nasce e morre, dinheiro vai e vem, a saúde desanima, porque afinal a gente muitas vezes só se lembra dela quando ela já se cansou de não ser lembrada. Talvez seja melhor mesmo fazer como a dona dessa frase e se concentrar nas coisas boas que a vida te dá, antes que ela te tome...
A vida continua com força, alegria e perseverança para Dona Geraldina, que acabou de completar 100 anos. Depois de tanto tempo é mesmo normal que já não precise ver através dos olhos para enxergar a presença da filha, das netas, do bisneto, do genro, dos sobrinhos e de tantos amigos conquistados. Nem mesmo conseguir ouvir as lamentações dos entes queridos para ter forças e segurar firme nas contas do seu velho tercinho pedindo por cada um deles em suas intermináveis orações. Muito menos braços e pernas fortes, porque de tanto se movimentarem durante a sua vida em prol dos outros, hoje são muitas as pernas e braços que podem lhe apoiar.
A vida continua... Querida vozinha! Obrigada pela honra de fazer parte dela!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Igualdade demora, mas se aprende



Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor de sua pele, da sua origem ou da sua religião. Para odiar, é preciso aprender. E, se podem aprender a odiar, as pessoas também podem aprender a amar.” Essa frase é de Nelson Rolihlahla Mandela, advogado, ex-líder rebelde e ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado o mais importante líder da África Negra, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993 e Pai da Pátria da moderna nação sul-africana.
Um homem que lutou pela liberdade, justiça e democracia de seu povo. Um homem que, como poucos, fez da causa de milhares de pessoas a sua própria causa. Ficou preso durante 26 anos, lutando contra o regime segregacionista do Apartheid, introduzido como política oficial após as eleições gerais de 1948. Esse regime dividia os habitantes em grupos raciais (negros, brancos, de cor, e indianos), separando as áreas residenciais, muitas vezes por meio da força. Os negros foram privados de sua cidadania, tornando-se legalmente cidadãos de uma das dez pátrias tribais autônomas chamadas de bantustões. Nessa altura, o governo já havia segregado a saúde, a educação e outros serviços públicos, fornecendo aos negros serviços inferiores aos dos brancos. Em 1990, o presidente Frederik Willem de Klerk iniciou negociações para acabar com o apartheid, o que culminou com a realização de eleições multirraciais e democráticas em 1994, que foram vencidas pelo Congresso Nacional Africano, sob a liderança de Nelson Mandela.
Caminhando pela Joanesburgo (África do Sul) de 2013, a realidade parece estar bem distante do sonho de Mandela em que “…todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos”. Vemos ainda uma grande segregação social e racial, infelizmente nada diferente do Brasil e de muitos lugares do mundo. Negros e brancos podem viver onde quiserem, mas as condições sociais e raciais ainda os separam: os negros ainda são os que “cuidam” e servem aos brancos, por exemplo, e, hoje, apesar de ser permitido que negros e brancos se casem, isso quase não acontece… Como disse uma sul africana branca que conheci: “são só 20 anos sem o regime, o povo ainda está se readaptando…”
Uma realidade muito diferente do ideal de Mandela, mas que talvez tenha solução por meio da educação. Como ele, acredito nisso. Se ensinaram erroneamente que pode-se diferenciar pela cor da pele, pela condição social, pela religião ou pelo sexo, será preciso passar uma borracha e começar do zero com novos ensinamentos. Ensinando o correto às futuras gerações, quem sabe elas possam criar um mundo melhor e mais igualitário, quem sabe elas possam colocar um ponto final nessa maneira desumana de se viver, quem sabe elas consigam praticar os ideias de Mandela.
“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”. (Mandela)