Um amigo me presenteou com um livro da Hilda Hilst — um dos principais nomes da literatura contemporânea. Já tinha assistido algumas peças de teatro baseadas em sua obra, lido algumas poesias, mas o primeiro livro dela que li foi este a mim regalado: A obscena Senhora D.
Denso, intenso, instigante: cheio de questionamentos sobre envelhecer, solidão, morte, sexo, hipocrisia. "...Eu à procura da luz numa cegueira silenciosa, sessenta anos à procura do sentido das coisas..."
E quando senti vontade de escrever sobre desejo foi nessa mulher, totalmente tomada pela devoção à palavra, que busquei inspiração. "...Quem és? Pergunto ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó, Depois nada." (Do livro "Do desejo")
O desejo, como tudo na vida, como nós próprios, seres mortais, é lava, pó e nada... Mas prefiro ater-me à lava. Desejar é mesmo essa ardência que pode ser abrasada pela simples conquista ou estimulada pela conquista e continuar queimando.
Desejar um chocolate, desejar um beijo, desejar um pedaço ou um inteiro... Desejar por um tempo, desejar a vida inteira, desejar uma mordida, uma lambida em um sorvete ou em você...Esse tal de desejar... Ai se eu te pego de jeito!
O problema do desejo é que ele não respeita protocolos, vem nos locais e horários mais improváveis, diria até inconvenientes... Por exemplo? Quando você deseja um travesseiro de gente às quatro da manhã e a cama está vazia; deseja desesperadamente um sorriso triplo do seu filho (com covinhas) e ele está na escola; deseja compartilhar um fato marcante da sua vida com amigas que estão fora, deseja abocanhar um "não sei quê ou quem" só pela lembrança do cheiro, da consistência, da textura, de um roçar, enfim...
Desejo também não vem com um medidor de possibilidade de realização. Quantas vezes nos vêm à cabeça desejos retóricos... Quando você olha uma criança buscando comida numa lata de lixo e deseja que o mundo fosse tão melhor que isso não existisse ou quando gente mata gente e você deseja que as pessoas não tivessem motivo e muito menos vontade de fazer isso...
E aí? Quando vêm esses desejos em momentos impróprios ou pensamos em desejos inexequíveis, o que fazer? Talvez, momentaneamente, esperar que a lava vire pó e depois o pó vire nada... Para em seguida desejar mais e mais e mais, porque ainda que com início, meio e fim são os desejos que alimentam outros desejos... São os desejos que nos movem!
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