Terminei de ler recentemente um romance que se passa na Espanha,
durante a ditadura do general Francisco Franco. O que mais me
encantou foi o conteúdo histórico da narrativa, o romance acabou
ficando em segundo plano. O título do livro é "O retorno"
e foi escrito pela autora inglesa Victoria Hislop.
A obra conta a história de uma família que vive em Granada e é
praticamente exterminada pela ditadura de Franco. No entanto, a frase
que mais me chamou atenção foi dita por um personagem de fora da
trama central. Trata-se de um professor de filosofia que, após o fim
da guerra civil espanhola, foi capturado e obrigado a trabalhar na
construção do Valle de los caídos. O Valle é um memorial
franquista monumental e basílica, erguido em memória dos
nacionalistas mortos durante a guerra. Ao perceber as péssimas
condições dadas aos prisioneiros, assemelhadas à escravidão, o
professor falou: ─ Eles
podem escravizar meu corpo, mas minha alma me pertence.
É interessante o poder de frase soltas nos fazerem refletir... Essa
frase não me saiu da cabeça por muito tempo. Fiquei pensando nas
diversas maneiras de termos nossas almas escravizadas, mesmo fora das
épocas de ditadura. E, muitas vezes, as tentativas vêm de nós
mesmos ─ a todo tempo
presenciamos pessoas negociando sua moral e ideologia por dinheiro e
poder.
Pior do que ter o corpo escravizado é ter a alma. Mesmo que não
seja por dinheiro ou poder, há outras maneiras de tornar as nossas
almas escravas. Nós a escravizamos quando nos permitimos viver
situações que vão de encontro à nossa maneira de ser por
comodismo; quando não falamos o que precisa ser dito por covardia;
quando cedemos a chantagens porque nos convém; quando praticamos o
errado, conscientes do erro, para tirar proveito disso; quando
julgamos e nos consideramos superior; quando não respeitamos as
diferenças de raça, sexo, pensamentos e ideologias.
Toda vez que contrariamos a nossa essência estamos escravizando um
pouco a nossa alma... É bom a gente refletir sobre o que
nos leva a isso, antes que não haja mais maneira de quebrar
correntes, sair da escuridão do isolamento, que já não consigamos
mais viver sem as chibatadas, antes que a gente se torne ditadores de
nós mesmos.
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